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Pelos caminhos da FEB na Itália

  • relyjae
  • 5 de jul. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 28 de abr. de 2022


 

Estou lendo um livro muito interessante de Rubem Braga: Crônicas da Guerra na Itália. Recomendo! Como correspondente do jornal Diário Carioca ele embarcou para a Itália no mesmo navio que milhares de pracinhas da Força Expedicionária Brasileira em setembro de 1944. Suas crônicas já começam ali nos bastidores do navio, ou melhor, nos compartimentos do navio, onde ficou acomodado junto com os pracinhas. Ele nos faz viajar através dos seus relatos sobre os vários aspectos da difícil missão destes 25 mil jovens soldados que foram ajudar os Aliados a derrotarem o nazi fascismo.


Não me cabe aqui entrar no mérito sobre o que foi certo e errado nesta operação, nem tenho conhecimento para tanto. Sou apenas uma admiradora dos pracinhas e do seu ato de bravura. O livro me fez reviver uma viagem à Itália pelos caminhos da FEB. Surpreendeu-me o enorme agradecimento que os italianos da região de Monte Castello devotam aos nossos soldados até os dias de hoje. Reconhecimento que às vezes transparece ser maior do que dos próprios brasileiros. Uma pena que o Exército Brasileiro seja tão injustiçado por alguns que só sabem ligar seu nome à ditadura, quando ele é bem mais do que isto.


A FEB se juntou às forças aliadas no norte da Itália para ajudar a romper a temida Linea Gotica, forte defesa formada pelos alemães que atravessava o país de oeste a leste passando pela Toscana e Emilia-Romagna. Última barreira para os Aliados derrotarem os nazistas. Os pracinhas ficaram posicionados na área de combate nas montanhas apeninas próximo ao Monte Castello, onde em meio às intempéries como chuva e neve do outono e inverno italiano, lutaram por mais de três meses para liberar a região. Esta luta culminou na batalha conhecida como a Tomada de Monte Castello: romperam a Linha Gótica e entraram vitoriosos na cidade de Montese no topo da montanha e foram recebidos como heróis pela população local. Todos os anos no dia vinte e cinco de abril, a cidade comemora sua liberação com uma festa onde entoam o hino brasileiro e da FEB.


Percorremos este roteiro de carro em setembro de 2016 e foi muito impressionante. Ficamos baseados em Pistoia, na Toscana, que fica próxima do Monte Castello. Tínhamos feito contato com o filho de um pracinha, que cuida dos monumentos dos expedicionários. Marcamos encontro no antigo Cemitério de Pistoia, onde repousaram os restos mortais dos 462 pracinhas mortos em combate, que em 1962 foram repatriados ao Brasil. Hoje repousam em um mausoléu no Aterro do Flamengo. Quando chegamos ao local, ele nos ligou avisando que teve um imprevisto e não conseguiria nos acompanhar, mas muito atencioso nos enviou um mapa por e-mail com o roteiro bem explicado que se podia fazer em um dia. O percurso é um turismo solitário, pois não encontramos ninguém mais, o que deixou a visita mais reflexiva. A começar do cemitério, onde ergueram o Monumento Votivo com o túmulo ao soldado desconhecido com uma pira sempre acesa. No gramado ao lado em meio aos ciprestes mantiveram as centenas de pedras brancas com o nome dos soldados mortos sobre cada uma delas: João, José, Daniel, Severino... Nomes e sobrenomes comuns a nós. Um cenário tocante de muita contemplação.


Depois seguimos em direção ao Monte Castello para visitar a linha do front. Na estrada que sobe a montanha, além das belas paisagens, passamos por vários vilarejos com casas de pedra em meio ao bosque, igrejinhas com suas torres que pareciam cenários de filmes de guerra que nos faziam entrar no clima imaginando o que ali se passou.


Logo após a divisa com a Emilia-Romagna, avistamos a cidade de Porreta Terme, onde ficava o Quartel General dos brasileiros. Um pouco mais acima alcançamos Gaggio Montano seguindo até Bombiana, vilarejo onde se encontra o Monumento Liberazione na localidade chamada Guanella. No meio do campo em frente ao monte se avista a majestosa escultura: dois arcos brancos sobrepostos (7 metros de altura por 14 de largura), um aponta para a terra simbolizando a morte e o outro aponta para o céu, simbolizando a transcendência. Projeto original da artista brasileira Mary Vieira. Estávamos bem em frente ao Monte Castello, onde os alemães ficavam de tocaia e caminhamos sobre o campo de batalha no maior silêncio, sem ninguém a volta, a não ser talvez alguns fantasmas da guerra. Ainda está de pé a ruína da pequena torre onde atiradores brasileiros ficavam a espreita dos tedescos.


Continuamos por uma estradinha de terra até seu final e deixamos o carro para dar uma volta a pé nas encostas do Monte Castello. Lá nos deparamos com alguns buracos das trincheiras alemãs. Do alto eles tinham uma visão privilegiada podendo observar todas as movimentações do inimigo, no caso os pracinhas: uma vista panorâmica de todo o vale com a cidade de Porreta Terme mais abaixo. Posição estratégica. Acabei perdendo meus óculos escuros pulando uma trincheira ao me assustar quando em meio ao silêncio surgiram dois cachorros latindo para nos dar as boas vindas, aliás, únicas almas vivas que encontramos por ali. Por sorte não eram Pastores Alemães a nos atacar, mas da raça Collie, nossos aliados. Permanecemos um tempo explorando o local imaginando como teria sido a batalha. Um lugar místico onde se sente uma energia muito forte que emociona.


Continuamos a subida por Abetaia até a pequena cidade de Montese, no topo da montanha, local da mais sofrida batalha dos pracinhas, era ali a margem noroeste da Linha Gótica. Depois de quatro dias de duro confronto, venceram as tropas alemãs que bateram em retirada. Chegamos à cidade para visitar o museu que tem uma seção dedicada a FEB, mas para nossa surpresa estava fechado e só abriria no domingo. No Ufficio Informazioni Turistiche, a senhora que me atendeu, ao saber que éramos brasileiros e permaneceríamos só algumas horas, ficou admirada e resolveu nos ajudar. Disse para retornarmos dentro de uma hora que daria um jeito e nos entregou um mapa para visitarmos os pontos principais enquanto a esperávamos. A cidade é bem pequena, mas muito bonita e em pouco tempo percorremos tudo. Lá existe o Monumento Alla Libertá, no Largo Brasile a beira de uma encosta, uma das tantas homenagens prestadas aos brasileiros. Entramos numa cafeteria e pedi um café. Enquanto tomava, conversei com a italiana no balcão que sentiu meu italiano com sotaque e perguntou de onde eu era. Quando falei que era brasileira abriu um sorriso e me mostrava para todo mundo dizendo: “Che piacere, una brasiliana qui a Montese!” Ao pedir a conta, disse que era uma cortesia. Eles adoram os brasileiros e nos chamam de libertadores.


Voltamos ao escritório de turismo conforme combinado com a atendente que já nos esperava. Foi então que ela nos contou ser a própria secretária de turismo da cidade e abriria o museu especialmente para nós. O museu fica no ponto mais alto, na Rocca di Montese, antiga fortaleza numa ZTL, zona de tráfego limitado, por isso ela nos levou no próprio carro, um Fiat Uno dos bem antigos, pensamos que não iria vencer a íngreme subida que levava até lá, mas o carrinho não negou fogo. Ela abriu as portas de entrada e não nos cobrou ingresso, insistimos para pagar, mas ela disse que era uma honra receber brasileiros interessados na história da liberação. Éramos raridades... Ligou todas as luzes e áudio visuais e nos fez a guia turística. Havia os uniformes da FEB, do exército alpino que deu apoio, dos aliados e dos alemães, além de várias reconstituições, inclusive uma do Quartel General brasileiro, com armas, artefatos, fotos, pôsteres da época. Um mergulho na história da FEB e do final da Segunda Guerra. Ficamos muito agradecidos por tamanha gentileza. Única vez na vida que tivemos um museu com exclusividade!


Começamos a descida de volta passando ainda pela vila de Iola, com mais pontos históricos; visitamos Monte Belvedere, entramos em Porreta Terme sempre procurando os monumentos em homenagem aos pracinhas. Um passeio patriótico inesquecível!

Chegamos de volta a Pistóia já noite e concluímos nossa giornata tomando um delicioso Spritz à mesa de um bar na maravilhosa Piazza Del Duomo, iluminada como mais um belo cenário de filme que a Itália sabe ser.

Italia, come sei bella!


Um brinde aos pracinhas: Salute!








5 comentarios


Ricardo Melo
Ricardo Melo
06 ene 2024

Parabéns pelo relato,

Fico de fato emocionado.

Estou indo em Março para Italia e queria fazer exatamente esse roteiro....

Por acaso não teria esse mapa para me enviar.

Grato

ricardospmelo@gmail.com

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Ricardo Melo
Ricardo Melo
08 ene 2024
Contestando a

Muito origado pelo retorno. Abraço

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malicestrella
malicestrella
11 jul 2020

Que preciosidade! Obrigada por partilhar com teus leitores! Fui muito amiga de um ex-pracinha, médico sanitarista, Dr. Adolpho da Rocha Furtado, que me encantou com as histórias que vivenciou com a FEB.

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LUCIANE INES GRUNDLER RAMOS
LUCIANE INES GRUNDLER RAMOS
06 jul 2020

Belíssima viagem , principalmente na nossa história , que deveríamos valorizar mais! Com certeza Rubem Braga iria apreciar muito a tua descrição minuciosa e viajar nas memórias com muito prazer!

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