Sagrados e sagazes
- relyjae
- 8 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 29 de abr. de 2022
Um gato tem honestidade emocional absoluta: os seres humanos, por uma razão ou outra, podem esconder os seus sentimentos, mas um gato não o faz.
Ernest Hemingway

Bem, hoje vamos falar novamente de animais domésticos. Sobre os cães já escrevi em uma crônica aqui no blog: Boa companhia na quarentena. Agora é a vez dos envolventes gatos. Eles são animais interessantes, por vezes, intrigantes, mas lindos e adoráveis. Hemingway, autor da epígrafe acima, costumava chamá-los de fábricas de ronronar e esponjas de amor. É verdade, pegar um gato no colo, quando dócil, é mesmo muito gostoso pela maciez, calor e maleabilidade. Acomodam-se com perfeição em nossos braços e a vibração do seu ronronar nos passa uma energia positiva. E nos acalma. Agora, quando arisco, não se arrisque. Se ele não quer, ninguém o segura.

Os gatos tiveram papel de destaque em algumas civilizações antigas, como a Egípcia, onde eram sagrados. Exímios caçadores, protegiam os grãos do ataque dos ratos após a colheita, por isso eram associados à prosperidade e fertilidade. Ainda hoje o fazem. Também caçavam serpentes, livrando seus donos das picadas, principalmente as crianças. Existia uma deusa, Bastet, filha do deus Rá, protetora das mulheres grávidas, que era representada por uma gata ou uma mulher com cabeça do felino. Acreditavam que os gatos seriam a reencarnação da deusa. Fazer mal a eles era considerado um pecado imperdoável e um mau presságio. Foram dos poucos animais a receberem a honraria de serem embalsamados. Encontraram milhares de múmias suas nas escavações arqueológicas, ao lado dos seus donos, inclusive nas tumbas de faraós. Eram tão admirados e respeitados, a ponto de receberem ornamentos como joias e até podiam comer no prato do dono. A maquiagem das mulheres egípcias imitava o contorno dos olhos dos gatos, que também eram associados a beleza e elegância.

A simbologia do gato é extensa, desde a sabedoria e sagacidade até a espiritualidade. São independentes, altivos e movem-se com sensualidade e equilíbrio perfeito. Alguns o ligam à boa sorte ou à má sorte. Quanto a esta última, o mito do gato preto, ligado ao azar, veio da idade média, quando foram relacionados às bruxas, sendo perseguidos e dizimados junto com elas. Culpa da inquisição, que os denegriu perante os cristãos. Infelizmente, isto faz com que algumas pessoas, ainda hoje, não os vejam com bons olhos. São animais do bem, não merecem este preconceito.
Tive alguns bichanos na infância, lembro de um em especial: o Pelé. Lá pelos idos dos anos sessenta, quando Pelé, o jogador, ficou famoso. Devia ter muitos gatos e cachorros pretos com este nome naquela época.
O último gato que tive, na verdade, gata, foi há uns 20 anos, por um desejo de minha filha. Ao contrário do Pelé, era toda branca feito uma fantasminha camarada. Seu nome era Lulu.

Lulu era uma gatinha vira-lata, como tantas, que para nós foi especial. Quando resolvemos adotar, a cada lugar que chegávamos, tinham recém dado o último filhote. Depois de várias tentativas, a encontramos. Foi amor à primeira vista. Minha filha ficou feliz da vida, levando a Lulu no colo feito um bebê, um micro bebê.
Ainda tínhamos um problema a resolver ao chegar em casa. Nossa cachorra Saori, da raça akita, nada afeita a gatos, nem a outros animais – Lulu caberia inteirinha na sua boca. Apostamos que por ser a gata ainda bebê, ela a aceitaria. Ledo engano! Quando se enxergaram, foi como um choque elétrico, ambas se arrepiaram e foi aquela gritaria bilíngue.
Não desistimos. Começamos a fazer exposição gradual, com todo o cuidado e supervisão integral. Depois de uma semana a coisa estava menos tensa. Numa noite fria, estávamos todos à beira da lareira, eu sentada no chão com a Lulu nos braços, a Saori deitada ao meu lado em frente ao fogo. A gatinha saiu do meu colo e foi se aconchegando na cachorra, que não só a aceitou, como gostou. E o milagre se fez: Saori começou a lambe-la sem parar, exatamente como as cadelas fazem ao nascer o filhote, retirando a placenta. Em seguida, com o focinho, empurrou-a até sua barriga, nas tetas. E a Lulu começou a mamar. Não acreditávamos, então coloquei o minguinho para conferir e a gata estava mesmo sugando, sem leite. E assim foi adotada como filha. Estava salva. E nós todos, felizes.
Os animais são seres surpreendentes, para o bem. A maldade só existe nos humanos.
Além disso gatos são terapeutas naturais. Têm poder de cura. Sua saliva tem ação antisséptica e antibacteriana, por isso eles não têm cheiro. Gosto de cães, mas dão muito trabalho e são muito barulhentos, prefiro os gatos porque são mais independentes e silenciosos.
Obrigada gurias!
Muito bom Regina! Cronica com cultura e finalizada com o doce amor animal. Parabéns!
Que surpresa esse teu texto! Além de uma aula de história antiga, ainda destes uma demonstração de amor pelos animais. Muito linda a tua relação com os gatos e cachorros.
Quando estivemos em Key West, na Flórida, visitei a casa do Hemingway e tive a oportunidade de ver um gato sobre a cama que fora dele. No ano seguinte, um furacão atingiu aquela região, e soube pelo guia que havia nos conduzido até lá que, por precaução, haviam retirado os gatos da casa. Esse gesto comprovou a importância que os bichanos têm na biografia do escritor.