No Mundo de 2020...
- relyjae
- 13 de set. de 2020
- 3 min de leitura
"Somente após ter visualizado o que nos reserva o futuro, disporemos de força e determinação suficientes para investigar o passado de maneira honesta e imparcial".

Um dia destes estava lembrando de um filme que assisti na adolescência, matinê do Cine Rio Branco em Porto Alegre. Anos 70, no tempo em que ainda havia cinemas de bairro na rua e não em shoppings. A entrada ao saguão da bilheteria se integrava à calçada. Hoje isso não existe mais e quando contamos aos mais jovens, nem acreditam. A gurizada se juntava em grupos que podiam ir caminhando tranquilos com o dinheiro no bolso para a entrada e as balas: “Azedinhas”, “Frumelo” e “Mentex” ou amendoim doce mesmo. Pior era o “Algodão Doce” que grudava nos cabelos, nos dedos e sempre tinha um malvado que enterrava a cara do outro no tufo. Antes da sessão começar, tocavam uma trilha sonora para distrair o público, uma das orquestras mais tocadas era a “Tijuana Brass”. Músicas marcantes que ainda hoje lembramos as melodias. O piso dos cinemas era do tipo tablado de madeira, sem carpete e as cadeiras também de madeira sem estofamento. A tela ficava encoberta por cortinas como nos palcos teatrais. Quando demorava a começar a projeção ou trancava o “rolo” no meio do filme e acendiam as luzes, a gente batia com os pés no chão em sincronia e aquilo virava um terremoto com som ensurdecedor. Para muitos, essa era a melhor parte.

Mas, voltando ao filme lembrado, chamava-se No Mundo de 2020, com o grande ator Charlton Heston (Título original: Soylent Green, lançado em 1973). Era um filme de ficção científica e com visão catastrófica do futuro. Para uma garota de 14 anos, esta era uma data extremamente distante, lá no século XXI e parecia que levaria uma eternidade para chegar. Eu ficava imaginando como seria quando chegasse naquele ano, calculando quantos anos teria, se já haveria formado família e se aquilo tudo aconteceria de verdade. Foi um filme que me impressionou muito e a data ficou gravada na minha memória juvenil, até mesmo com um resquício de temor por ela. Hoje eis-me aqui, quase meio século após, em pleno ano de 2020, quem diria! Em plena pandemia!

A história do filme se passava em Nova York e mostrava a escassez de alimentos para a população mundial onde somente os muito ricos podiam dispor de comida de verdade. Para a maioria havia apenas uma ração verde, a Soylent Green, feita a base de plâncton dos oceanos e outro ingrediente que era um segredo absoluto. Sua fábrica era vigiada dia e noite por guardas fortemente armados. A escassez de alimentos teria sido causada pela superlotação na Terra que já estava poluída e com os recursos naturais exauridos. Como alternativa para tentar diminuir a população, existia um programa de incentivo a eutanásia voluntária para os velhos ou doentes. A pessoa escolhia a hora, o cenário com músicas e filmes com imagens de sua preferência num quarto com uma cama confortável em instituições feitas exclusivamente para este fim: morrer sem sofrimento. (Atualmente existem duas associações deste tipo na Suíça, onde é permitida por lei a morte assistida: a Exit e a Dignitas). Heston fazia o papel de um policial que teve que investigar um crime e nesta busca descobre o grande segredo da ração verde... Vou deixar vocês descobrirem qual era o ingrediente secreto, pesquisando ou quem sabe assistindo ao filme.

Fazendo um paralelo entre o filme e a nossa realidade atual neste ano de 2020 o que podemos dizer e pensar? Esta data foi profética? Pura coincidência numérica? A semelhança é que também atravessamos tempos difíceis, enfrentamos um vírus desconhecido que vem causando uma catástrofe. Ainda não temos escassez de alimento a nível mundial, mas a fome em alguns países é uma realidade. As consequências trazidas pelo vírus chinês foram inimagináveis, nem preciso repetir aqui. Surgiram até mesmo teorias da conspiração alegando que o vírus teria sido criado em laboratório... Algo inusitado, parecendo mesmo um enredo de filme de ficção científica.
Essa data com dobradinha de 20 ficou nos devendo dias melhores. O ano está passando, a primavera se aproxima em breve, florescendo a esperança, trazendo renovação. Temos ainda três meses e meio pela frente para virarmos o ano de 2020, e assim também virar esta página iniciando um novo capítulo com uma história melhor para todos nós. Apesar dos pesares vamos superar essa fase.
Que os erros e os acertos deste episódio venham à tona e sirvam de aprendizado para resolver problemas semelhantes no futuro através da sintonia ao invés da dicotomia de ações e informações. E a história se encarregará de contar e julgar os acontecimentos pelas próximas gerações.
Quando tudo nos parece dar errado / Acontecem coisas boas / Que não teriam acontecido / Se tudo tivesse dado certo. (Renato Russo)

Acho que vimos juntos, tu que gostava de ficção-científica e me levava pra ver.
Boa lembrança. Não lembrava mais desse filme.
Me identifiquei com as matinês, com as balas Azedinhas e com a orquestra Tijuana Brass. Inclusive, El presidente foi a música de entrada da minha formatura de ginásio. Mas não lembro de ter assistido ao filme que comentaste. Talvez porque desde aquela época eu já fosse avessa a ficção científica. Com relação ao que estamos vivendo neste 2020, a Lya Luft fez uma citação na coluna de ZH deste fim de semana, que achei bem apropriada: “A idade devia nos ensinar a entender que há coisas no mundo que não podemos mudar como achávamos na juventude e aceitar a circunstância do momento, salvando nossa saúde mental e a paz interior. Um dia vai passar”. Então, que passe logo!