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Ditos de família

  • relyjae
  • 29 de mai. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 30 de abr. de 2022

Minha família materna tinha predileção por provérbios. Nossa vó adorava fazer junção com as filhas no habitual café da tarde. Era uma farra: conversavam vários assuntos ao mesmo tempo, botavam a fofoca em dia, contavam as coisas gesticulando, fazendo imitações perfeitas. Um talento dramático nato. Os provérbios transitavam naturalmente na comunicação familiar e o repertório era enorme. Nós, crianças, sempre no meio delas, assimilávamos por osmose a mania de imitar e de falar ditados, afinal, “Quem puxa aos seus não degenera”. Hoje, após tantas décadas, continuo a tradição. E confesso que adoro! Talvez por ser uma forma de tê-las presentes.


Lembro quando minha mãe implicava com alguma amiga falada, me alertando com o clássico “Diga-me com quem andas e eu te direi quem tu és”. Depois completava com “Quem avisa amigo é”. Batata! Mais dias menos dias, essa amiga aprontava.


Quando nos deslumbrávamos com alguém ou algo que se salientava, ia logo avisando que “Nem tudo que reluz é ouro”. E nos deixava com a pulga atrás da orelha. Se nos demorávamos na hora de sair para um compromisso ela reclamava: “Boi lerdo bebe água suja”, mas já espertos na prática, respondíamos: “Os últimos serão os primeiros”. Ficava uma arara!



E dentre as recomendações, uma das mais sérias era nunca cortar relações de supetão com pessoas malvadas, as ditas ruindades: “Cobra que não se mata, não se fere”. Aconselhava que o melhor era enredar o rastro e sair de mansinho.


As irmãs eram unidas tipo “mexeu com uma, mexeu com todas”. Em caso de doença na família, viravam uma equipe de saúde até com troca de plantão; se o problema era emocional, baitas psicólogas; se fosse briga de casal, coitado do dito cujo... Viravam as vingadoras trocando o “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” por “Olho por olho, dente por dente”. E se fosse caso de traição, a sentença vinha a galope: “Cachorro comedor de ovelha, só matando”.


Eram nove irmãs muito bem informadas, formando uma rede de investigação de dar inveja ao FBI. Havia mais os dois irmãos na retaguarda para qualquer precisão.


Se uma das moças namorasse um cara mais velho ainda solteiro, coisa suspeita naqueles tempos, elas buscavam a ficha corrida. Se não tivessem sucesso, soavam o alarme: “Laranja madura na beira da estrada, é podre ou ardida”. Coitada da interessada, até perdia o gosto. Todos os pretendentes passavam pelo crivo delas. E eram craques em desencorajar romance com pé rapado que não tinha onde cair morto: “Melhor chorar no Cadillac do que cantar no tanque”. Barbaridade! Às vezes soava pesado, mas lembrem-se, era a sabedoria popular do século passado.


Um dos meus preferidos era o ditado para namoros que não iam bem ou os famosos chove não molha: “Estão vendo o trailer e ainda querem pagar pra ver o filme?”. Que baita cutucada! Até hoje não sei se esse foi criado por elas mesmas, pois nunca ouvi de outras pessoas.


Fico imaginando quais ditados elas usariam nesta pandemia onde estamos “Mais perdidos que cusco em tiroteio”. Sobre a possibilidade de morte diriam: “Um dia todo mundo vai, ninguém fica pra semente”. Quanto à celeuma dos medicamentos: “O que não tem remédio, remediado está” e "Às vezes vem o remédio de onde menos se espera”. Para estresse, o infalível: “Depois da tempestade vem a bonança”. E quanto à polarização das discussões: “Nem tanto ao céu, nem tanto a terra”.

Chega de nove horas!

Certamente combateriam o Coronavírus fazendo uma figa e se benzendo: “Se tu és de ferro, eu sou de aço, se tu és o demônio eu te embaraço”, batendo três vezes o pé no chão pra excomungar de vez!


Enfim, “Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe“.

 




12 Comments


zenidanelon
Aug 14, 2020

Que linda a cumplicidade que havia entre as tuas tias. E, preservando a memória delas, estás confirmando que "Quem sai aos seus, não degenera" ou "A fruta não cai longe do pé". Parabéns!

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malicestrella
malicestrella
Jul 11, 2020

Riqueza de detalhes, elaborando o texto que, ao lê-lo, não se quer que acabe! Parabéns!

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Rubens Mazzini
Rubens Mazzini
Jun 07, 2020

Curti bastante, além de trazer muitas lembranças me fez dar uma boas risadas. :-D

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verapy
Jun 07, 2020

Amei Regina! Não conhecia este viés teu, maravilhosa a tua escrita. Leve e fluente. Bj

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Mayara Argenti Bittencourt
Mayara Argenti Bittencourt
Jun 01, 2020

Muito legal, lendo lembrei de ti usando estes ditados , bateu saudades. Bj! Adorei!

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